sexta-feira, 8 de junho de 2012

Competência Territorial - KISSEFODA




Chega um momento na vida acadêmica de todo estudante de Direito, onde ele passa a ser reconhecido como um adevogado. Quem dentre os colegas já não foi abordado, ou melhor dizendo importunado por pessoas em busca do saber jurídico. Se olharmos por um ponto de vista extremamente egoísta podemos chegar a conclusão de que isso é um verdadeiro absurdo.

Afinal ninguém vira para o padeiro e pede que lhe ensine como fazer pão, nem interpela um engenheiro para que lhe dê um parecer sobre o risco de desabamento de sua casa... não de graça!!!

Mas eu entendo que de certa forma, para aquelas pessoas mais chegadas ou mesmo com quem falamos por educação. A figura do advogado assim como a do médico é vista como a de um sacerdote, a quem é legada as chaves de um universo obscuro que atormenta o imaginário das pessoas comuns.

Coincidência tanto médicos quanto advogados serem chamados de Doutores, ainda que a origem do título seja proveniente de fontes completamente diferentes... Mas isso não é o assunto deste texto, permitam-me abrir uma brexa no próprio formato do Blog para relatar um fato a pouco ocorrido.

Estava eu como é habito lanchando em um quiosque montado na esquina da minha rua, tinha chegado da faculdade e ainda estava fantasiado de advogado, com a gravata quase alinhada graças ao colarinho folgado da camisa surrada que ainda estou vestindo...

Vejo um dos funcionários que trabalha na lanchonete abrir uma lata grande de milho em conserva com uma faca de cozinha própria para cortar peças de carne em bifes, ele precisa dar algumas punhaladas na lata antes que o metal ceda e ele finalmente possa fazer a alavanca de abridor de latas com a faca.

Nessa brincadeira de adverti-lo sobre os riscos a sua saúde e como ele poderia perder definitivamente a capacidade laboral por um simples descuido arrogante, não consigo obter muito sucesso na argumentação até que uso o futebol a meu favor. Afinal se o Zico perdeu aquele penalti em 82. Seria ele tão bom em apunhalar latas ao ponto apostar a própria mão?

Nesse ínterim, meu discurso sobre segurança do trabalho chama a atenção do outro funcionário que me aborda com educação e me faz a malfadada pergunta:


- Ai você é ADEVOGADO ?

- Ainda não, sou um advogado em treinamento, estagiário saca ?

- Pô posso te perguntar uma coisa então ?

Entre uma mordida e outra do sanduiche eu digo que sim...

- Eu comprei uma casa de uma mulher... Paguei tudo direitinho, mas não tem escritura nem documento nem nada ent...

-Então você ta fudido,é simples assim meu amigo!

-Não... Espera deixa eu te contar a estória pra você me dizer...

- Tá vai lá então...

- Eu to morando na casa desde 2004 e a velha me cobrou 4 mil pela quitinete, só que la não é nada legalizado e eu e ela fizemos um acordo de eu pagar 300 reais por mês durante 3 anos mas não tenho o contrato, só o que tenho é esse recibo do primeiro pagamento que ela me deu e assinou e os comprovantes de depósito desse tempo todo na conta dela...

- A conta de luz ta no seu nome? Você está morando lá a quanto tempo? Se da bem com os visinho?

- Sim eu tenho testemunha, a conta de luz ta no meu nome desde 2005, to lá desde 2004...Mas tem outro poblema, ela arrumou um bandido pra ir lá me tirar da quitinet, to até andando com medo porque o cara já veio até aqui atrás de mim...

- É isso é foda mesmo, mas de todo o jeito você está certo tem a posse mansa do imóvel por mais de 5 anos á justo título e boa fé. Deve procurar a defensoria pública ali no forum que atende de terça a quinta que eles vão mover um processo de usucapião para você... Quanto ao bandido ele é do morro ?

- Então, ai é que tá quando ele veio aqui me ameaçar eu fui logo lá em cima, não consegui falar com o dono do morro não, mas falei com um dos braço dele (longa manus, preposto). Expliquei a situação e mostrei os comprovantes pra ele disse que a velha já tinha chegado lá... Ele me deu razão e disse que ninguém ia se meter comigo, mas perguntou onde era a casa... Eu disse que era no cacuia, dai ele falou que no cacuia era fóda que lá quem resolvia era o juiz... que eles já tinham problemas demais no morro... e me mandou ir falar com um advogado... Mas essa parada de justiça é complicado...


Fiquei perplexo, não com o fato de o povo achar a justiça do morro mais eficiente, mais simples e acessível que a do Estado de Direito. Mas com a atitude do bandido, atolado de processos declinando a competência territorial...

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